Constante Dielétrica

Introdução

A Constante Dielétrica ou Permissividade Elétrica Relativa -εr– consiste na capacidade do material de armazenar cargas elétricas e traduz, de forma macroscópica, os efeitos que ocorrem no interior de átomos e moléculas devido ao campo elétrico.

Portanto, ela se encontra diretamente relacionada à estrutura da matéria, e varia em mais de 4 ordens de magnitude dependendo do material.

Nos gases, em decorrência da distância entre moléculas, que resulta em densidades baixas, a constante dielétrica permanece um pouco maior do que a constante dielétrica do vácuo. Por exemplo, a constante dielétrica do ar na pressão de 1 atm vale 1,000 6.

Na maioria das cerâmicas e polímeros, a constante dielétrica varia entre 2 e 10 em decorrência das ligações covalentes.

No caso de materiais com ligações iônicas, a constante dielétrica se encontra entre 6 e 10.

Materiais com elevados valores de constante dielétrica possuem mecanismos especiais de polarização que envolvem a rotação de dipolos ou transformação ferroelétrica de fase.

A água, com constante dielétrica de 80, e o BaTiO3, com constate dielétrica de 1 000, são exemplos desses mecanismos.

Efeitos do Campo Elétrico nos Materiais

A eletricidade surgiu antes da descoberta do elétron e, consequentemente, desenvolveram-se teorias macroscópicas e experimentais para explicar os efeitos do campo elétrico nos materiais.

Posteriormente, passou-se a utilizar as teóricas sobre a estrutura da matéria para explicar o comportamento dos materiais sob campos elétricos.

Comportamento Macroscópico

O Eletromagnetismo explica de forma macroscópica a influência do campo elétrico nos materiais através da criação do vetor de Polarização – P, que reúne macroscopicamente os efeitos do campo elétrico nos materiais de acordo com a Figura 1.

Figura 1. Vetor Polarização

A Equação 1 mostra a relação do vetor P com os vetores densidade de campo elétrico e densidade de fluxo elétrico.

Equação 1. Densidade de fluxo elétrico

Onde:

  • D é o vetor densidade de fluxo elétrico [C/m2];
  • E é o vetor densidade de campo elétrico [V/m];
  • P é o vetor de polarização elétrica [C/m2];
  • ε0 é a permissividade do vácuo [F/m];
  • χe é a suscetibilidade elétrica do material;
  • εr é a permissividade relativa do material.

A Equação 2 mostra a relação entre o vetor de polarização, o campo elétrico e a propriedade do material expressa em função de uma propriedade macroscópica do material denominada suscetibilidade elétrica.

Equação 2. Vetor polarização

Por sua vez, a Equação 3 apresenta a relação entre as duas outras maneiras de relacionar a susceptibilidade elétrica com a permissibilidade elétrica ou constante dielétrica dos materiais relativa e absoluta. 

Equação 3. Permissividade elétrica e susceptibilidade elétrica.
Onde:
    • D é a densidade do fluxo elétrico [C/m2];
    • P é o vetor de polarização [C/m2];
    • E é a intensidade do campo elétrico [V/m];
    • ε é a permissividade elétrica ou constante dielétrica do material [F/m];
    • ε0 é a permissividade ou constante dielétrica do vácuo [8,854 187 817 81 x 10-12 F/m];
    • εr é a permissividade ou constante dielétrica relativa do material;
    • χe é a susceptibilidade elétrica do material.
As permissividades absolutas possuem valores numéricos pequenos expressos em F/m que dificultam o trabalho de comparação entre materiais. Por isso, utiliza-se a permissividade relativa e a susceptibilidade.
Observa-se que a presença de matéria sempre aumenta a densidade de fluxo elétrico – D, e a constante dielétrica é tudo menos uma constante.

Ela depende da frequência e intensidade do campo elétrico, da temperatura, da pressão e da estrutura do material.

Ao se considerar a frequência do campo elétrico aplicado, a constante dielétrica se torna uma grandeza complexa, possuindo uma parte real e outra imaginária, conforme mostra a Equação 7.

Equação 7. Constante dielétrica complexa
Equação 8. Fator de dissipação

Onde:

    • ε’ é a parte real da constante dielétrica relativa do material;
    • ε” é a parte imaginária da constante dielétrica relativa do material;
    • δ é o ângulo de perdas do material;
    • tan(δ) é o fator de dissipação do dielétrico; 
Figura 2. Comportamento da constante dielétrica com a frequência.

Exemplo 1 – Comportamento da água

A Figura 2 apresenta a Constante Dielétrica da água em função da frequência e da temperatura.

 Figura 2. Constante dielétrica da água.

Observa-se que até 500 MHz, a constante dielétrica da água permanece constante e o fator de dissipação praticamente nulo.

Contudo, a partir dos 500 MHz a componente real começa a decrescer e a imaginária a aumentar independentemente da temperatura.

Além disso, a componente imaginária atinge um valor máximo entre 10 GHz e 30 GHz dependendo da temperatura. Após essas frequências, ambas as componentes decrescem e tendem a zero.


Exemplo 2 – Forno de Micro-ondas

O forno de micro-ondas se tornou a aplicação prática da constante dielétrica mais conhecida na vida moderna.

Capacitores possuem maior utilização porque estão presentes na maioria dos equipamentos elétricos e eletrônicos, mas se encontram invisíveis ao público leigo.

O forno de micro-ondas consiste basicamente numa fonte de ondas eletromagnéticas de frequência fixa (⋍2,4 GHz) que, ao se propagar através dos materiais dielétricos, produz aquecimento.

Todos sabem que não se deve colocar qualquer material no forno de micro-ondas, principalmente condutores.

Além disso, alimentos diferentes se comportam de forma distinta no forno. Como explicar teoricamente este conhecimento empírico?

A Figura 3 mostra uma micro-onda plana incidindo em determinado material homogêneo.

Figura 3. Micro-onda plana incidindo sobre um material

Pode-se descrever o campo elétrico de uma onda eletromagnética plana e uniforme propagando em um material dielétrico homogêneo e isotrópico da seguinte maneira:

forno micro-ondas
Equação 9. Campo elétrico de uma onda eletromagnética plana num material dielétrico

Onde:

    • α é o coeficiente de atenuação [1/m];
    • β é a coeficiente de fase [1/m];
    • t é o tempo;
    • z é a distância percorrida pela onda no material;

Ao penetrar no material a onda transfere energia para o material e, consequentemente, diminui de amplitude de forma exponencial.

O comprimento de onda – λ – e a impedância intrínseca – η – serão dados por:

Equação 10. Comprimento de onda
Equação 11. Impedância intrínseca

Onde:

    • λ é o comprimento de onda;
    • η é a impedância intrínseca complexa[Ω];
    • θn é o ângulo da impedância intrínseca.

A impedância intrínseca representa a impedância do material vista pela onda.

A profundidade de penetração, definida como sendo o inverso da constante de atenuação, representa a distância percorrida pela onda eletromagnética para que a amplitude do campo elétrico diminua 63% (1/e).

Equação 12. Profundidade de penetração

Onde:

    • δp é a profundidade de penetração da onda;
    • δpp é a profundidade de dissipação de potência da onda;1

Isto significa que essa constante mede a capacidade de penetração de determinada onda eletromagnética no material em questão.

A Equação 13 apresenta a densidade de potência dissipada no material em função da impedância intrínseca e do fator de atenuação do material. 2

Neste caso, define-se a profundidade de penetração de potência como sendo a metade da profundidade de penetração do campo elétrico em decorrência do fator 2 no termo exponencial da Equação 13.

Equação 13. Potência dissipada no material

Onde: 

    • pd é a potência por comprimento dissipada no material;
    • Exo é a amplitude do campo elétrico da onda ao penetrar no material;
    • η é a impedância intrínseca complexa[Ω];
    • θn é o ângulo da impedância intrínseca.
    • α é o coeficiente de atenuação [1/m].

Isto significa que, dependendo da constante dielétrica do material e da frequência da onda eletromagnética, o aquecimento ocorrerá de forma diferente.


As expressões anteriores relativas à constante dielétrica consideraram os materiais isotrópicos.

No caso de materiais anisotrópicos, a constante dielétrica se transforma num tensor de acordo com a equação 14.

Equação 14. Constante dielétrica tensorial

Observa-se que a Densidade de Fluxo Elétrico e a Intensidade de Campo Elétrico são tensores de primeira ordem e, consequentemente, a Constante Dielétrica dos materiais é um tensor de segunda ordem simétrico com as seguintes peculiaridades:

    • os elementos diagonais são positivos;
    • os elementos fora da diagonal podem ser negativos;
    • os elementos são números complexos;
    • os elementos fora da diagonal possuem módulo menor do que os elementos da diagonal;
    • os elementos variam com a frequência do campo elétrico;
    • a parte imaginária se encontra associada à perda de energia que ocorre no dielétrico;
    • as partes real e imaginária da constante dielétrica podem ter comportamentos e simetrias distintos com a frequência.

A simplificação do tensor constante dielétrica depende da estrutura e da simetria do material. A Tabela abaixo apresenta os diversos tipos de cristais existentes.

Tabela 1. Sistema Cristalinos

wdt_ID Sistema Restrições nas Dimensões Restrições nos ângulos Simetria Máxima
1 Triclínico nenhuma nenhuma  ̄1
2 Monoclínico nenhuma α=γ=90º 2/m
3 Ortorrômbico Nenhuma α=β=γ=90º mmm
4 Tetragonal a=b α=β=γ=90º 4/mmm
5 Trigonal a=b α=β=90º, γ=120º  ̄3
6 Hexagonal a=b α=β=90º, γ=120º 6/mmm
7 Cúbico a=b=c α=β=γ m ̄3m

Materiais Triclínicos

Para este tipo de materiais cristalinos, a Constante Dielétrica se torna um tensor completo conforme a Equação 14. 

O Carbonato de Calcio – CaCO3 -, na forma de Aragonita, exemplifica este tipo de material. (ε11=8,67, ε22=8,69, e ε33=8,31 @tamb @ 94GHz)3

Materiais Monoclínicos

Materiais Monoclínicos possuem a constante dielétrica na forma do tensor da Figura 15. Os elementos da diagonal são distintos e apenas dois elementos fora da diagonal são diferentes de zero.

Equação 15. Tensor constante dielétrica de materiais monoclínicos

A Gipsita – Ca(SO4).2H2O – exemplifica este tipo de material. (ε11= 5,1, ε22=5,24, ε33= 10,30 @ tamb) 3

Materiais Ortorrômbicos

Materiais Ortorrômbicos apresentam a constante dielétrica na forma do tensor da Figura 16. Os elementos da diagonal são distintos, mas todos os elementos fora da diagonal são nulos.

Equação 16. Tensor constante dielétrica de materiais ortorrômbicos

O Enxofre exemplifica esse tipo de material. (ε11=3,75, ε22=3,95, ε33=4,44) 3

Materiais Uniaxiais

Os materiais uniaxiais representam o conjunto formado pelos cristais Tetragonais, Trigonais e Hexagonais, e possuem a constante dielétrica na forma do tensor apresentado na Figura 17. 

Equação 17. Tensor constante dielétrica dos materiais uniaxiais

O Titanato de Bário – BaTiO3 – é um exemplo desse tipo de material. (ε11=3600, ε33=150 sem pressão mecânica @ 100 KHz, e ε11=2300, ε33=80 com pressão mecânica @ 250MHz, todos @ 298 K) 3

Materiais Cúbicos

Finalmente, os materiais com cristais cúbicos possuem apenas os elementos diagonais e são todos iguais. Isto significa que a notação tensorial não se torna necessária com esses materiais. 

Equação 18. Tensor constante dielétrica dos materiais cúbicos

O óxido de cobre -CuO- exemplifica esse tipo de material (ε =18,1 @ tamb 2MHz) 3

Tabela 2. Propriedades Dielétricas

MaterialSímboloRigidez Dielétrica[kV/mm]Constante Dielétrica RelativaObservaçõesFator de dissipação
BromoBr3,15
SelênioSe6,60
AluminaAl2O39,009,3
QuartzoSiO24,2
BaqueliteSumitomo Durez 222577,95,5@ 1 MHz0,08
GermaniumGe16
SilícioSi11,8
EstanhoSn24
Metanol32,63
Etanol24,3
PPA com fibra de vidro0.8 a 37,03,59 a 136varia com a frequência e temperatura0,005 a 0,85
ÁguaH2O55,51 a 87,9
80.2 @20C
varia com a temperatura e pressão
Água PesadaD2O78,06 @ 20C
Titanato de BarioBaTiO31000 a 5000
Fonte: Matweb

Modelo Equivalente 

Para analisar circuitos elétricos com materiais dielétricos, pode-se utilizar as seguintes expressões:

Equação 19. Modelo do Capacitor

Onde:

    • C é a capacitância equivalente;
    • C0 é a capacitância sem o material dielétrico;
    • R é a resistência equivalente em paralelo com o capacitor;
    • ε’ é a parte real da constante dielétrica relativa do material;
    • ε” é a parte imaginária da constante dielétrica relativa do material;
    • ω é a frequência da tensão/corrente aplicada no material.

Exemplo 3 – Material dielétrico entre duas placas paralelas

Por exemplo, considerando um material dielétrico capacitor de placas paralelas, conforme mostra a Figura 4, C0 possuirá o valor apresentado na Equação 20.4

 

Figura 4. Dielétrico entre placas paralelas
Equação 20. Capacitância de placas paralelas no vácuo

A Figura 5 apresenta o circuito equivalente de materiais dielétricos submetidos a campos elétricos.

É importante observar que este modelo se mantém válido para qualquer geometria porque o efeito da geometria se encontra no cálculo de C0.

Figura 5. Modelo equivalente do dielétrico
Referências
  • AGILENT TECHNOLOGIES, Basics of Measuring the Dielectrics Properties of Materials – Application Note,
  • HAYNES, W.M., LIDE, D.  R., BRUNO, T. J., (editors) Handbook of Chemistry and Physics, CRC Press, 93 ed., 2013.
  • KAO, K.C., Dielectric Phenomena in Solids, Elsevier, 2004.
  • NOTAROS, B. M., Eletromagnetismo, Pearson, 2012. 5
  • PEEK, F. W., Dielectric Phenomena in High Voltage Engineering, McGraw-Hill, 2 ed., 1920.
  • RAJU, G. G., Dielectrics in Electric Fields, Dekker, 2002.
  • SOLYMAR, L., WALSH, D., SYMS, R. R. A., Electrical Properties of Materials, Oxford, 10 ed., 2019. 5
  • VON HIPPEL, A. R., Dielectrics and Waves, MIT, 1954.