O histórico do armazenamento de energia no Brasil possui papel relevante na operação do sistema porque eletricidade renovável possui um comportamento variável e imprevisível.
Introdução
As hidrelétricas fornecem a maior parcela da energia elétrica no Brasil, e a água armazenada nos reservatórios representa estoque de energia elétrica. Portanto, o acompanhamento do histórico do armazenamento no Brasil constitui rotina da operação do setor elétrico.
Conforme mostra o Capítulo Hidrelétricas, a Energia Armazenada -EAR- de uma hidrelétrica depende do volume útil do seu reservatório multiplicado pela soma dos fatores de produtibilidade de todos os reservatórios a jusante da usina, descontando-se o volume morto. Isto significa que a água armazenada na primeira usina gerará energia em todas as usinas do mesmo rio ou bacia que se encontrarem depois. Portanto, a operação do sistema requer a previsão do nível dos reservatórios.
As hidrelétricas brasileiras possuem capacidade de armazenamento total de 292 068,19 MW.mês, que representa 4 meses da energia média consumida por ano 1.
O Capítulo Bacias Brasileiras, que apresenta as usinas hidrelétricas de grande porte existentes no Brasil, mostra que elas possuem características distintas decorrentes de suas peculiaridades geográficas. Em decorrência disso, as usinas foram agrupadas pelas quatro regiões geográficas brasileiras: Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sul. Consequentemente, cada subsistema possui uma capacidade de armazenamento diferente.
A Tabela 1 apresenta a capacidade de armazenamento de cada subsistema e observa-se que o SE/CO possui praticamente toda a capacidade de armazenamento do sistema, e a maior potência instalada de hidrelétricas. Por isso, períodos secos nesse sistema aumentam o risco de racionamento.
Essa Tabela apresenta também a potência total instalada de hidrelétricas nos subsistemas e a relação entre a energia armazenável e essa potência, que possui dimensão de tempo.
Esse indicador representa o tempo que os reservatórios no seu nível máximo poderiam manter todas as hidrelétricas operando na potência nominal simultaneamente. Apesar da condição operativa irrealista, esse indicador permite comparar a resiliência dos subsistemas a secas prolongadas.
O NE apresenta o maior valor desse índice, seguido do SE/CO, S, e N.
Observa-se também que o N possui a segunda maior potência instalada e o menor armazenamento em decorrência das restrições ambientais mais recentes ao tamanho dos reservatórios e da obrigatoriedade de operá-los a fio d’água, que os impede de funcionar como armazenadores de energia.
Tabela 1. Energia Armazenável nos Subsistemas. Fonte:ONS
wdt_ID | Subsistema | Armaz. [MW.mês] | Armaz. [%] | P [MW] | P[%] | Armaz./P [mês] | Energia [MWm] | Armaz/Energia [meses] |
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1 | SE/CO | 204.615,33 | 70,10 | 97.409,00 | 58,00 | 2,10 | 41.418,00 | 4,94 |
2 | NE | 51.691,23 | 17,70 | 51.585,00 | 10,00 | 1,00 | 11.831,00 | 4,37 |
3 | S | 20.459,24 | 7,00 | 29.794,00 | 15,00 | 0,69 | 12.704,00 | 1,61 |
4 | N | 15.302,40 | 5,24 | 28.258,00 | 17,00 | 0,54 | 6.723,00 | 2,28 |
5 | Total | 292.068,19 | 100,00 | 207.046,00 | 100,00 | 1,41 | 72.676,00 | 4,02 |
Energia Armazenada
A Figura 1 mostra o histórico do armazenamento de energia no Brasil nos reservatórios dos quatro subsistemas brasileiros; Sul, Norte, Sudeste/Centro Oeste, e Nordeste entre 1996 e 2022.
O gráfico apresenta grande quantidade de dados e, por isso, a visualização se torna difícil. Contudo, pode-se retirar curvas do gráfico simplesmente clicando na legenda das curvas que se deseja omitir.
Sudeste/Centro Oeste
O sistema SE/CO pode armazenar 70% da energia armazenável pelas hidrelétricas brasileiras. Consequentemente, como os subsistemas se encontram interligados, racionamentos somente ocorrerão se esse subsistema estiver em situação crítica.
A Figura 1 mostra o ciclo anual de enchimento dos reservatórios decorrente da influência da órbita da terra ao redor do sol nas estações do ano. Esse comportamento existe em todas as hidrelétricas ao redor do planeta, e projeta-se o volume útil dos reservatórios para acumular entre 50% e 70% do volume afluente médio anual para aumentar a energia média disponível no ano.
Porém, constata-se que esse sistema foi incapaz de atingir 90% de armazenamento desde 1996. Isso pode significar um déficit de geração, mas comprova que existe uma capacidade de armazenamento ociosa no sistema SE/CO.
Além da oscilação anual, observa-se uma tendência de queda periódica, que se caracterizada por valores decrescentes consecutivos de armazenamento com duração de 2 a 5 anos e que antecedem os valores mínimos2. Esse fenômeno requer mais estudos, mas ocasionou todas as crises energéticas ocorridas no país porque não se projetou os reservatórios para esses eventos. Como o dimensionamento dos reservatórios considera apenas as variações anuais, eles não resolvem esse problema, e dimensioná-los para esses eventos consiste em solução antieconômica e ambientalmente questionável.
Como a indisponibilidade de dados de armazenamento anteriores a 1999, não se pode verificar ocorrências anteriores semelhantes. Contudo, existe uma forte indicação de que períodos críticos se repetem com período superior a dez anos.
Nordeste
A capacidade de armazenamento do Subsistema Nordeste corresponde a 17,7 % da capacidade total do país.
A Figura 1 mostra que o sistema NE continuou enchendo até o máximo dentro do horizonte de dados apresentados, mas os valores mínimos apresentam tendência de queda; 8% em 2001, 5% em 2015 e 2017.
Como o SE/CO pode enviar energia para o NE, o risco de desabastecimento apenas nessa região se reduz. Isto ficou comprovado em 2015 e 2017, quando o sistema NE atingiu o nível histórico mais baixo, mas não houve necessidade de racionamento em decorrência do nível de armazenamento mais elevado no SE/CO.
Porém, observa-se que as curvas dos dois sistemas se encontram em fase, que significa correlação positiva entre a hidrologia dos dois sistemas. Essa correlação se alterou ligeiramente a partir de 2015, mas continua positiva.
O Capítulo Estatística 3 mostra que o risco de deficit energético aumenta quando a correlação entre as gerações renováveis do sistema possui correlação positiva. Portanto, o risco de deficit nos dois subsistemas simultaneamente aumenta conforme ficou provado em 2001.
Norte
O subsistema N abriga a menor capacidade de armazenamento do sistema, 5% da energia hidrelétrica armazenável total do país, mas possui a segunda maior potência instalada, 17%. Isso resulta da política ambiental de impedir que as hidrelétricas operem regulando o fluxo dos rios e trará futuras consequências para o sistema elétrico.
A disponibilidade de dados desse subsistema iniciou no ano 2000, mas observa-se as oscilações anuais e as de longo prazo. Observa-se que o N se comporta mais como o NE e ambos possuem comportamento semelhante ao SE/CO.
O Capítulo Bacias Brasileiras revela que as usinas atualmente em operação se encontram em rios cujas nascentes se localizam no planalto central. Por isso, esses três subsistemas, responsáveis por 93% do armazenamento de energia e 85% da potência instalada, possuem uma correlação positiva.
Essa constatação explica as periódicas crises energéticas que o país enfrentou nos últimos 20 anos.
Sul
Inicialmente, observa-se que o sistema Sul se comporta de forma oposta aos demais subsistemas.
Normalmente, quando o sistema Sul enche os outros esvaziam e vice-versa. Este comportamento resulta da localização geográfica das Bacias Hidrográficas Brasileiras, conforme analisado em Bacias Brasileiras. Por outro lado, os outros sistemas apresentam uma correlação positiva porque as principais bacias das usinas, atualmente em operação, nascem no Planalto Central. Isto significa que elas enchem e esvaziam juntas.
O racionamento de energia elétrica ocorrido em 2001 resultou do baixo nível de armazenamento nos reservatórios dos sistemas SE/CO, NE, e N. O sistema S não precisou racionar pelo motivo apresentado anteriormente.
Em decorrência do Racionamento de 2001, a geração térmica aumentou no país e minimizou o risco hidrológico, apesar das críticas ambientalistas.
Além disso, o nível desse subsistema varia mais rapidamente do que o dos outros. Explica-se esse comportamento pelo menor índice Armazenamento por Potência e porque as Bacias Hidrológicas que o compõe (Uruguai, Paraguai e Atlântico Sul) se originam em regiões com distintas climatologias.
Figura 1. Histórico do Armazenamento de Energia no Brasil ( Fonte:ONS)