A determinação da energia firme e energia assegurada consiste no elemento de projeto mais importante nos projetos de geração de energia elétrica.
Energia Firme
As energias firme e assegurada constituem a base da comercialização de energia no Brasil.
Segundo Elliot, a Energia Firme consiste na energia suprida por uma usina, que não pode ser suprida por nenhuma outra, e, no caso de hidrelétricas, a energia possível de ser produzida no período crítico.
Elliot define o período crítico como sendo o pior ciclo hidrológico ou o único ocorrido uma vez em 20 anos. Isto significa uma probabilidade de ocorrência de 5%.
O Brasil definiu o período crítico como ocorrido com duração de 90 meses entre junho de 1948 e novembro de 1955. Atualmente, o ONS considerou os 90 meses início de 2012 até o final de 2019 como um novo período crítico.1
De acordo com esta definição, a Energia Firme das usinas seria a potência instalada multiplicada pelo número de horas de operação anual ou mensal, dependendo do contexto. Utiliza-se normalmente o número de horas de operação anual para efeitos de planejamento e o número de horas de operação mensal para a operação.
No caso de usinas térmicas, descontando o tempo gasto em manutenção, o fator de capacidade seria de quase 100%. Contudo, isto não ocorre com as hidrelétricas2
Por exemplo, a Figura 1 mostra a vazão natural afluente mensal de Três Marias em anos extremos.
Considerando que a MLT de Três Marias igual a 660 m3/s, nem no cenário de máxima vazão em 1983 as turbinas poderiam utilizar a MLT durante todo o ano.
No Cenário médio a vazão supera a MLT apenas entre os meses de novembro e março, que correspondem ao período úmido. Porém, nos cenários críticos a vazão fica mais baixa e, em 2001, a vazão permaneceu abaixo da média durante todo o ano.
Figura 1. Séries de vazão de Três Marias
Em decorrência disso, os conceitos de Energia Firme sofreram ajustes.
De acordo com a Aneel, Energia Firme corresponde à máxima produção contínua de energia que pode ser obtida supondo a ocorrência da sequência mais seca registrada no histórico de vazões do rio onde está localizada.
Seguindo esta orientação, de acordo com o ONS, a Energia Firme consiste na energia média gerada no período crítico do Sistema Interligado Nacional – SIN – com configuração apenas hidráulica.
Agora, a grande questão se tornou definir o período crítico. Como o Brasil possui inúmeras usinas hidrelétricas em cascata, surgiu a necessidade de considerar a operação conjunta dos reservatórios.
Por isso, define-se período crítico como aquele no qual o reservatório inicialmente cheio esvazia até o mínimo sem reenchimento total intermediário.
Evidentemente, esta definição incorpora a questão da operação e, por isso, a energia firme deixou de ser uma característica intrínseca da usina e passou a depender de todo o sistema. Isto significa que toda nova usina ou carga afetam a energia firme.
Contudo, isto não representava um problema na época em que a geração era estatal e pertencia basicamente à Eletrobrás através de suas subsidiárias.
Historicamente, baseado nos dados disponíveis, o Setor Elétrico Nacional considerou como crítico o período entre Jun/49 a Nov/56, mas não existe garantia estatística que esse período permaneça como o pior.
Na realidade, a estatística demonstra que os valores extremos de séries temporais ilimitadas sempre podem ser superados. Como exemplo desta superação, podemos citar o racionamento de 2001 e o ano de 2014.
Resumindo, a Energia Firme representa a energia média durante o período crítico, que pode ser anual ou plurianual. Isto significa que, devido ao ciclo hidrológico anual, a energia disponível para alimentar as cargas poderá ser inferior à Energia Firme durante algum tempo; cargas não serão atendidas periodicamente.
De acordo com o Manual de inventário do MME, a energia firme de um uma usina, durante a fase de planejamento, pode ser calculada de forma simplificada pela seguinte expressão:
Onde:
-
- Hlm é a queda líquida média[m];
- Qlm é a vazão líquida média do período crítico[m3/s].
O fator 0,0088 considera rendimentos de 97% para o gerador e 93% para a turbina.
Exercício Proposto
Demonstre que a equação 1 se encontra correta.
A queda líquida média -Hlm– consiste na queda bruta média -Hbm – menos as perdas de carga nos circuitos hidráulicos. No caso de estudos preliminares, considera-se as perdas hidráulicas como sendo de 2% a 3% da queda bruta, dependendo da extensão dos condutos de adução.
A queda bruta média -Hbm– consiste na diferença entre o nível de água médio -NAm– e o nível normal a jusante – NAj, que corresponde ao nível de água no canal de fuga.
Em estudos preliminares, considera-se o nível normal a jusante- NAj como sendo o maior nível entre:
-
- o nível de água natural no ponto com uma vazão 10% superior à vazão média no período crítico;
- o Nível Máximo Normal do reservatório a jusante.
Caso não existam outros reservatórios em cascata no mesmo rio, a equação fornece o nível de água médio –NAm.
Esta metodologia considera o nível médio e a vazão crítica, mas na prática, os valores críticos de vazão ocorrem com valores mínimos de queda. Por isso, a metodologia de planejamento possui um otimismo e mascara possíveis eventos críticos.
Energia Firme de Usinas a Fio d’água
O cálculo da energia firme de aproveitamentos a fio d’água se torna mais simples porque a altura da queda não varia. Consequentemente, a queda líquida média é igual a queda nominal. Neste caso, a energia firme passa a depender apenas da vazão.
A Figura 2 apresenta a vazão média mensal, a vazão mínima mensal e as vazões entre 1950 e 1955 – Período Crítico do SIN – e as vazões anuais mínima (2014) e máxima (1983) da Usina Simplício, que opera a fio d’água.
Observa-se que o ano de 2014 foi pior do que o pior ano do período crítico, comprovando a tese que o mínimo sempre poderá ser pior.
Figura 2. Vazões mínimas de Simplício
Aplicando o conceito de Elliot a Simplício, observamos que a pior vazão média anual durante o período crítico oficial foi 191 m3/s, que representa 188 MWm.
Considerando a metodologia do ONS aplicada aos dados normalizados, a energia firme de Simplício é de 312 MWm.
Por que estes números são tão diferentes?
Porque a metodologia de Elliot desconsidera a participação das usinas a montante.
Pela definição de energia firme no Brasil, considera-se que todo o volume útil disponível nos reservatórios a montante foi utilizado. Desta maneira, a vazão líquida média durante o período crítico passa a ser dada pela expressão abaixo:
Onde:
-
- Qlm é a vazão líquida média durante o período crítico [m3/s];
- Qn é a média da vazão natural afluente líquida durante o período crítico [m3/s];
- T é o tempo de duração do período crítico [s];
- M é o número total de aproveitamentos a montante;
- Vu é o volume útil do aproveitamento [m3];
- Vesp é o volume de espera no aproveitamento k no início do período crítico [m3];
- Vev é o volume evaporado médio no aproveitamento k durante o período crítico [m3].
Energia Firme com Reservatórios de Acumulação
No caso de aproveitamentos com reservatório, a queda líquida média deixa de ser constante porque utiliza-se parte do volume útil durante o período crítico.
Desconsiderando aproveitamentos a montante, estima-se o volume deplecionado, de acordo com o MME, como sendo a metade do volume útil mais o volume de espera. Isto significa que, durante o período crítico, o reservatório foi esvaziado do seu volume máximo ao volume mínimo tendo ficado, na média, com metade do volume.
No entanto, mesmo aumentando o número de usinas hidrelétricas, é impossível eliminar totalmente o risco hidrológico.
Energia Assegurada
Conforme foi visto, a Energia Firme consiste na energia média durante o período crítico, que pode ser anual ou plurianual. Isto significa que, devido ao ciclo hidrológico anual, a energia disponível para alimentar as cargas poderá ser inferior à Energia Firme durante algum período. Consequentemente, criou-se o conceito de Energia Assegurada.
Segundo Elliot, Energia Assegurada é a maior energia que determinada usina pode fornecer durante seu pior ciclo hidrológico com uma dada demanda máxima. Em outras palavras, a Energia Assegurada representa a maior potência possível de alimentada continuamente durante todo o tempo.
A Figura 2 explica o conceito de forma direta. Observa-se que a energia assegurada está diretamente associada a menor vazão do pior ciclo hidrológico. Logo, a menor vazão registrada em Simplicio de 2 m3/s em 2014 resultaria numa energia assegurada de 2 MWm.
Evidentemente, a aplicação direta deste conceito inviabiliza as hidrelétricas.
Para resolver este problema, a Aneel utiliza a seguinte definição:
“A Energia Assegurada do sistema elétrico brasileiro é a máxima produção de energia que pode ser mantida (quase) continuamente pelas usinas hidroelétricas ao longo dos anos, simulando a ocorrência de cada uma das milhares possibilidades de sequências de vazões criadas estatisticamente, admitindo um certo risco de não atendimento à carga, ou seja, em determinado percentual dos anos simulados, permite-se que haja racionamento, dentro de um limite considerado aceitável para o sistema.
Na regulamentação atual, este risco é de 5%.
Desse modo, a determinação da energia assegurada independe da geração real e está associada às condições no longo prazo que cada usina pode fornecer ao sistema, assumindo um critério específico de risco do não atendimento do mercado (déficit), considerando principalmente a variabilidade hidrológica à qual a usina está submetida. Nos cálculos das energias asseguradas são desconsiderados ainda os períodos em que a usina permanece sem produzir energia por motivos de manutenções programadas e paradas de emergência.
Considera-se energia assegurada de cada usina hidroelétrica a fração a ela alocada da energia assegurada do sistema. A operação cooperativa do parque gerador brasileiro foi historicamente adotada visando garantir o uso eficiente de recursos energéticos no país. Com a introdução da competição no segmento de geração de energia e o aumento do número de agentes, optou-se pela manutenção da operação centralizada das centrais geradoras hidroelétricas visando a otimização do uso dos reservatórios e a operação com mínimo custo do sistema.
A contabilização do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE é uma importante aplicação dos valores de energia assegurada. O MRE é um mecanismo financeiro que objetiva compartilhar os riscos hidrológicos que afetam os geradores, na busca de garantir a otimização dos recursos hidrelétricos dos sistemas interligados. A intenção é garantir que todos os geradores dele participantes comercializem a Energia Assegurada que lhes foi atribuída, independentemente de sua produção real de energia, desde que as usinas integrantes do MRE, como um todo, tenham gerado energia suficiente para tal.
Em outras palavras, por meio do MRE a energia produzida é contabilmente distribuída, transferindo o excedente daqueles que geraram além de sua Energia Assegurada para aqueles que geraram abaixo por imposição do despacho centralizado do sistema.
A energia gerada pelo MRE pode ser maior, menor ou igual ao total de energia assegurada das usinas participantes do MRE, conforme descrito a seguir:
Se a soma da energia gerada pelas usinas for maior ou igual à soma das suas energias asseguradas, haverá um excedente de energia, denominado Energia Secundária, que será também realocado entre os geradores;
Se a soma da energia gerada pelas usinas for menor que a soma das suas energias asseguradas, não haverá energia suficiente para que todos os geradores recebam a totalidade de sua energia assegurada. Será, então, calculado para cada gerador, na proporção de sua energia assegurada, um novo valor de energia disponível, apenas para efeito do MRE.”
O cálculo da Energia Assegurada exige simulações complexas. Ela inicia com os reservatórios cheios e simula-se o balanço hidráulico durante 10 anos para estabilizar os níveis dos reservatórios.
A partir desse ponto, a carga é ajustada de tal forma a obter déficit de energia em 5% das séries de vazões simuladas a partir de um universo de cerca de 2000 séries sintéticas.
A fragilidade desta metodologia consiste na aceitação implícita de que existirá em algum momento um racionamento de energia. Por outro lado, o critério de Elliot não nos garante resultados melhores porque o histórico de vazões medidas é muito menor do que o obtido com 2000 séries sintéticas.
Resumindo, a questão da energia assegurada é básica para a geração de energia no Brasil.
Se este valor for superavaliado para um determinado aproveitamento hidrelétrico ou para o sistema como um todo, o custo de geração diminui nominalmente, mas o risco de déficit aumenta.
Por outro lado, se for subavaliada, o custo de geração cresce, mas o risco de déficit diminui.
Referências
ELLIOT,T.C., CHEN, K., SWANEKAMP, R.C., Standard Handbook of PowerPlant Engineering, McGraw-Hill, 2 edição, 1997, p.1.74
Ministério de Minas e Energia – MME, Manual de Inventário Hidroelétrico de Bacias Hidrográficas, 2007.