“Trabalho requer energia, e energia requer trabalho”
A história da energia faz parte da história do planeta terra e todas as formas de vida consomem energia. Porém, esta história se divide em duas partes; antes do Homo Sapiens e depois do Homo Sapiens (HS).
Energia é Vida
No início, os organismos vivos se desenvolveram utilizando apenas a energia do sol, sem exercer nenhum controle individual, mas afetando meio ambiente de forma coletiva. Por exemplo, a obtenção de energia pelas plantas através da fotossíntese reduziu a concentração de dióxido de carbono na atmosfera e aumentou a de Oxigênio.
Somente a partir da modificação na composição atmosférica, se tornou possível o crescimento das formas de vida que utilizam a combustão para produzir energia.
Exceto os vegetais e algumas outras exceções, os seres vivos consumem oxigênio e produzem dióxido de carbono na obtenção de energia a partir da combustão lenta. Portanto, apenas o crescimento equilibrado da flora e fauna possibilitou a vida abundante no planeta.
A questão ambiental sempre existiu, mas as Leis de Darwin resolviam o problema reduzindo a população de espécies sempre que algum desequilíbrio ambiental ocorria.
Segundo Smil, a fase do Homo Sapiens surgiu há mais de 300 000 anos quando essa espécie se diferenciou da espécie Homo Erectus.
1 Revolução Energética
A primeira revolução energética da humanidade consistiu na capacidade de controlar o fogo.
Durante a pré-história as únicas fontes de energia utilizadas pelo HS foram seus músculos e o uso ineficiente do fogo. Nesta época, a humanidade iniciou o processo de desmatamento utilizando a madeira como combustível. Aparentemente simples, este passo foi fundamental para a geração de energia elétrica.
2 Revolução Energética
A segunda inovação se baseou no controle de animais para arar o solo e transportar carga. Esta evolução tecnológica permitiu a transição da caça e extração de frutas para a agricultura, viabilizou mais alimentos e permitiu o aumento da população vivendo em comunidades.
Segundo Smil, seres humanos adultos podem fornecer entre 50 e 90 W, mas necessitam comer muito mais para manter o seu metabolismo. Animais conseguem fornecer mais potência, mas também necessitam de alimentos1. Por exemplo, bovinos podem fornecer entre 200 W e 300 W, que equivale ao trabalho realizável por 7 humanos adultos. 2
3 Revolução Energética
O controle do fogo para a produção de cerâmicas e metais caracteriza a terceira revolução tecnológica na história da energia e marca o início da ciência dos materiais.
A humanidade passou a criar utensílios com formas e finalidades específicas que aumentaram a produtividade na agricultura e a disponibilidade de novas armas. Os alimentos propiciaram o crescimento populacional e as armas possibilitaram uma nova utilização da energia humana, a escravidão.
Esta parte sombria da história surgiu da necessidade de força inteligente e de precisão para a construção, agricultura e serviços.
Contudo, o crescimento exponencial da humanidade associado à catástrofes bíblicas exigia novas tecnologias para aumentar a produção de alimentos.
4 Revolução Energética
O carvão vegetal possibilitou o uso de combustível com maior densidade energética (29 MJ/kg) do que a madeira bruta, e marcou o início da quarta revolução energética; a busca por fontes de energia com maior densidade de energia.
Contudo, fornos antigos possuíam rendimento da ordem de 10% e a metalurgia antiga acelerou o processo de devastação florestal no mundo.
Segundo Rhodes, as florestas se tornaram ativos valiosos, não apenas por seu conteúdo energético, mas também por seu valor estratégico na construção de navios. 3
5 Revolução Energética
A quinta revolução energética surgiu milênios depois com as rodas d’água e os moinhos de vento, conforme mostra a Figura 6. Surgia a primeira geração renovável de energia.
Estes equipamentos permitiram substituir a força de animais e seres humanos por fontes renováveis de energia.
O fenomenal ganho de potência 4 obtido com estas tecnologias resulta da baixa eficiência energética dos seres vivos, do fato de não consumirem alimentos, e de utilizarem forças da natureza.
Além disso, essas novas máquinas reduziram o impacto ambiental por não gerarem dejetos nem subprodutos.
Contudo, esta tecnologia necessita de locais adequados, não foi disponibilizada ao mesmo tempo ao redor do mundo, e gerou concentração de riqueza e poder.
Por exemplo, o desenvolvimento de moinhos de vento na Holanda para moer trigo salvou a Europa da fome porque a moagem, baseada na força humana e animal, já não atendia a demanda de farinha de trigo da população na época. Este avanço tecnológico transformou a Holanda numa potência econômica e comercial.
6 Revolução Energética
A sexta revolução energética surgiu com a introdução dos combustíveis fósseis para evitar o desmatamento e à crescente escassez de madeira.
O carvão mineral surgiu como solução para o aquecimento e aumentou a eficiência energética na produção do ferro e aço. Ironicamente, pode-se afirmar que o carvão salvou a Europa, partes do Mediterrâneo e do Oriente do desmatamento.
Porém, o crescimento do seu consumo logo esgotou as reservas superficiais deste insumo e forçou o desenvolvimento das minas subterrâneas.
A exploração dessas minas, cada vez mais profundas, trouxe novos desafios tecnológicos, tais como o bombeamento da água subterrânea e a injeção de ar para manter vivos os trabalhadores nas minas.
7 Revolução Energética
A sétima revolução energética, mais conhecida com a Revolução Industrial, ocorreu com o desenvolvimento das máquinas térmicas e hidráulicas. 5
A Figura 10 mostra o crescimento acelerado da potência dessas máquinas a partir do século XIX. Esta revolução permitiu alimentar uma população cada vez maior, porém aumentou a demanda e consumo do carvão.
Observa-se nesta figura que a referência básica de potência utilizada, que significa energia produzida por unidade de tempo, são os cavalos.
Por isso, o HP 6 se tornou a unidade de potência na época e ainda continua sendo utilizada apesar de não pertencer ao Sistema Internacional de Unidades.
Adicionalmente, a força humana deixou de aparecer nos gráficos porque se tornou desprezível em comparação com as outras tecnologias.
A Figura 11 detalha a evolução das máquinas motrizes a partir do século XVIII.
Observa-se que as rodas d’água foram suplantadas pelas turbinas hidráulicas, as turbinas a vapor acabaram com os motores a vapor e as turbinas a gás somente surgiram em meados do século XX.
Esta revolução tecnológica somente se tornou possível com o desenvolvimento dos materiais e da tecnologia7.
Além disso, as máquinas a vapor forneciam potências que as rodas d’água e moinhos de vento não conseguiam e podiam ser instaladas praticamente em qualquer lugar.
A versatilidade de alocação das máquinas térmicas determinou o crescimento vertiginoso de sua utilização, mas hoje sofremos as consequências ambientais de seu emprego em massa.
A utilização do carvão em larga escala para o aquecimento doméstico e a geração de energia mecânica provocou problemas ambientais nas maiores cidades do mundo.
A fumaça produzida pela queima do carvão dentro de residências provocou diversas doenças respiratórias, incêndios 8, e iniciou o aumento da concentração de CO2 na atmosfera.
Porém, o desenvolvimento das máquinas motrizes revelou uma nova questão: a densidade energética dos combustíveis.
Com a evolução da potência das máquinas e sua disseminação ao redor do mundo, a demanda por combustíveis aumentou e tornou-se necessário transportá-los em grandes quantidades e a longa distâncias.
O carvão mineral possui densidade energética entre 24 e 30 GJ/t, superior à do carvão vegetal.
Porém, com o crescimento da demanda, os melhores recursos começaram a escassear, as melhores minas ficaram mais distantes, e a densidade energética média do carvão diminuiu. 9
8 Revolução Energética
A oitava revolução energética iniciou no começo do século XX com a utilização dos hidrocarbonetos; petróleo e gás natural.
A densidade energética do petróleo e seus derivados se situa ao redor de 42 GJ/t9, praticamente o dobro da densidade energética do que carvão.
Os EUA passaram a dominar a produção e o Reino Unido, cujo império se baseou no carvão, perdeu importância geopolítica.
A Segunda Grande Guerra comprovou a supremacia do petróleo com o poder da cavalaria mecanizada, e revelou a importância estratégica das fontes deste combustível.
9 Revolução Energética
A nona revolução energética surgiu com a eletricidade, uma nova forma de energia inexistente na natureza.
Ao contrário de todas as revoluções anteriores, a eletricidade surgiu a partir da ciência desenvolvida no final do século XVIII e início do século XIX.
Porém, ela apenas se disseminou no século XX, após o desenvolvimento do modelo de negócio e a construção da infraestrutura de geração, transmissão e distribuição.
Para simplificar, podemos incorporar nesta revolução diversas outras descobertas, tais como a energia nuclear, lâmpadas LED, e a energia fotovoltaica.
Contudo, independentemente dos futuros avanços científicos e tecnológicos, a eletricidade deverá manter espaço de destaque.
Ela retirou a combustão (carvão, lenha e gás) de dentro das residências melhorando a saúde e a segurança das pessoas.
Na realidade, a eletricidade possui uma característica que nenhuma outra fonte possui; ela pode fornecer luz, calor e movimento mecânico.
Resumindo, a humanidade, com sua população atual, se tornou insustentável sem a energia e a eletricidade.
Referências
- CLEVELAND, C., Concise Encyclopedia of the History of Energy, Elsevier, 2009.
- RHODES, R., Energy, A Human History, Simon & Schuster, ASIN: B075RVX2N3.
- SMIL, V., Energy and Civilization: A History, MIT Press, 2017.
- SMIL, V., World History and Energy. In: CLEVELAND, C.(Org.), Encyclopedia of Energy, Volume 6, Elsevier, 2004, p.549-561.10
- SMIL, V., Power Density, MIT Press, 2015.