“O magnetismo é uma força poderosa que faz com que certos itens sejam atraídos para geladeiras.”
Dave Barry1
Introdução
O magnetismo surpreende e encanta o mundo desde a antiguidade. Egípcios, Chineses, e Gregos conheceram o magnetismo centenas de anos antes de cristo, a teoria do eletromagnetismo surgiu no final do século 19, mas a teoria dos materiais magnéticos surgiu apenas após 1930 com a Mecânica Quântica. 2
A Tabela abaixo mostra a evolução histórica do magnetismo3. Observa-se a influência dos agentes militares e governamentais impulsionando o desenvolvimento das aplicações ao longo da história e o mercado consumidor passando a ocupar uma posição de destaque somente a partir de meados do século XX.
wdt_ID | Período | Datas | Símbolo | Motivadores | Materiais |
---|---|---|---|---|---|
1 | Antiguidade | de 2000 ac até 1500 dc | Bússola | Governos | Ferro e Magnetita |
2 | Início da Era Moderna | de 1500 até 1820 | Imã de Ferradura | Marinha | Ferro e Magnetita |
3 | Era Eletromagnética | de 1820 até 1900 | Eletroimãs | Indústria | Aço Elétrico |
4 | Era Quântica | de 1900 até 1935 | Mecânica Quântica | Academia | Alnico |
5 | Era Alta Frequência | 1935-1960 | Ressonância Magnética | Militar | Ferrites |
6 | Era das Aplicações | 1960-1995 | Chave de Fenda Elétrica | Mercado | Sm-Co, Nd-Fe-B |
7 | Era do Spin | 1995- | Cabeça de Leitura | Mercado | Multicamadas |
O primeiro contato do homem com o magnetismo ocorreu através de rochas que atraiam objetos de ferro, e o magnetismo revolucionou o mundo com a invenção da bússola, que se encontra entre as dez mais importantes invenções da humanidade.
Em 1600, William Gilbert publicou seu trabalho “De Magnet” e iniciou o estudo científico do magnetismo. Ele considerou a eletricidade e o magnetismo fenômenos independentes, e talvez sua maior contribuição tenha sido considerar a terra um gigantesco imã para explicar o funcionamento da bússola.
Porém, em 1820, Oersted descobriu que a corrente elétrica produz efeitos magnéticos, o que representou mais um passo importante na evolução do conhecimento. Logo a seguir, Ampere demonstrou a existência de forças de atração/repulsão entre fios paralelos conduzindo corrente elétrica. Porém, o conceito de que o Ferromagnetismo resulta de correntes elétricas no interior dos materiais representou a maior descoberta relacionada aos materiais magnéticos nesta época.
Faraday surgiu em seguida e, em 1831, revelou ao mundo a lei da indução eletromagnética, que fornece a base teórica para a construção de todas as máquinas elétricas. Adicionalmente, ele introduziu o conceito de campos elétricos e magnéticos, descobriu a eletroquímica, e os materiais paramagnéticos e diamagnéticos.
Em 1865, Maxwell publicou sua teoria eletromagnética, que revolucionou a física e criou o eletromagnetismo, que constitui o cerne da engenharia elétrica. Basicamente, ele reuniu todo os conhecimentos de eletricidade e magnetismo disponíveis na ocasião e os condensou em quatro equações, que se tornaram conhecidas como as equações de Maxwell.
Em 1895, Pierre Curie, prosseguindo com o trabalho experimental de Faraday com os materiais magnéticos, revelou que o Paramagnetismo e o Ferromagnetismo dependem da temperatura, mas o Diamagnetismo independe. Contudo, estes resultados experimentais permaneceram sem explicação teórica durante anos.
Somente em 1902 Paul Langevin, tendo Curie como seu orientador de doutorado, sugeriu que o Paramagnetismo e Diamagnetismo resultariam do momento magnético dos elétrons nos átomos, apesar da estrutura atômica ser desconhecida na época.
Em 1902, Hendrik A. Lorentz ganhou o segundo Prêmio Nobel de Física da história “em reconhecimento ao extraordinário serviço prestado por suas pesquisas sobre a influência do magnetismo sobre os fenômenos de radiação”.
Em 1922, Stern 4 e Gerlach provaram que a orientação espacial do momento magnético dos átomos não era contínua, como previsto por Langevin, mas sim discreta. O magnetismo começou a se transformar num fenômeno quântico, apesar da Física Quântica se encontrar nascendo.
A partir de 1926, a Física Quântica já havia nascido e John Hasbrouck Van Vleck 5 aplicou os novos conceitos ao magnetismo aperfeiçoando as teorias de Langevin. Sua teoria do campo cristalino, que demonstra que átomos possuem níveis energéticos menores quando fazem parte de um cristal, forneceu fundamentos teóricos para aprofundar o conhecimento do magnetismo em sólidos. Como resultado, ele forneceu fundamentos teóricos para explicar o comportamento distinto entre sais de terra rara e sais de ferro.
Em 1927, Wolfgang Ernst Pauli 6 apresentou sua teoria sobre o comportamento paramagnético dos Elétrons Livres nos metais, que se tornou conhecido como o Paramagnetismo de Pauli.
Lev Davidovich Landau 7 apresentou em 1930 sua teoria de que Elétrons Livres apresentam comportamento diamagnético quando submetidos a um campo magnético devido ao aparecimento de níveis de energia, que se tornaram conhecidos como Níveis de Landau.
Louis Néel descobriu os materiais Antiferromagnéticos em 1930 e os Ferrimagnéticos em 1948 e, baseado nessas descobertas, ele recebeu o Nobel de Física em 1970.
Em 1938, Felix Bloch iniciou sua pesquisa sobre o magnetismo do Neutron e na Ressonância Magnética Nuclear, seu trabalho resultou no Prêmio Nobel de Física em 1952.
Dando continuidade ao trabalho de Bloch, Richard Ernest utilizou em 1962 as características magnéticas de Prótons e Neutrons para identificar substâncias. Isto resultou na Espectroscopia Nuclear Magnética, na Imagem por Ressonância Magnética e no Nobel de Química de 1991.
Paralelamente, a partir de 1960, o magnetismo produziu talvez a maior revolução na história da tecnologia com o armazenamento de informações em meios magnéticos e aplicações médicas.
Porém, a ciência não para.
Em 1988, Albert Fert descobriu o fenômeno Magnetorresistência Gigante, que resultou no Nobel de Física de 2007. Este fenômeno resulta da proximidade física de materiais ferromagnéticos com antiferromagnéticos.
Este panorama histórico resumido possivelmente omitiu importantes contribuições, mas fornece uma visão geral da fascinante história dos Materiais Magneticos.
Materiais Magnéticos
Os materiais magnéticos possuem características macroscópicas que permitem diferenciá-los.
A Figura 3, apresentada no Capítulo Classificação dos Materiais, mostra os materiais magnéticos se dividem em Diamagnéticos e Paramagnéticos.
Os Diamagnéticos se dividem em Supercondutores ou Não Supercondutores. Na verdade, Supercondutores se encaixam na categoria de materiais condutores, mas, em decorrência da supercondutividade, apresentam o efeito de Diamagnetismo mais elevado observado até hoje.
Este vídeo mostra este efeito numa aplicação prática desenvolvida. 8
Por sua vez, os Paramagnéticos se subdividem em Ferromagnéticos, Ferrimagnéticos e Antiferromagnéticos.
A Tabela Periódica Magnética apresenta a classificação magnética dos elementos e suas propriedades magnéticas e elétricas. Esta Tabela complementa a Tabela utilizada inicialmente neste curso.
Materiais Diamagnéticos
Materiais Diamagnéticos possuem susceptibilidade magnética negativa que independe da temperatura. 9 Isto significa que campos magnéticos produzem uma força de repulsão nesses materiais.
Os Gases Nobres, os não-metais, exceto o Oxigênio, e os metais da coluna 11 em diante da Tabela Periódica, exceto o Alumínio, possuem propriedades Diamagnéticas. A maioria dos materiais Diamagnéticos possui valores muito pequenos de susceptibilidade magnética, o que dificulta a medição, mas existem exceções tais como: Antimônio, Bismuto, Galio, Grafite10 e Tálio.
Diamagnetismo da Água
Por que a água é diamagnética, se Tabela Periódica Magnética mostra o Hidrogênio como diamagnético e o Oxigênio como paramagnético?
Materiais Paramagnéticos
Materiais Paramagnéticos possuem susceptibilidade positiva, mas também com valores pequenos. A maioria dos gases da Tabela Periódica, os metais alcalinos e os Ferromagnéticos, quando submetidos a temperaturas superiores à Temperatura de Curie, possuem comportamento paramagnético. Além disso, vários sais de metais de transição também apresentam propriedades paramagnéticas.
Materiais Ferromagnéticos
Do ponto de vista da engenharia elétrica e de utilização na prática, os materiais Ferromagnéticos ocupam a primeira posição. Eles possuem elevada permeabilidade magnética, o que permite construir equipamentos com elevadas densidades de energia. Por isso, esses materiais dominam a construção de máquinas elétricas 11. Adicionalmente, eles possuem a propriedade de manter a magnetização, mesmo após a interrupção da indução magnética, o que permite a construção de imãs permanentes.
Apesar de sua enorme importância, apenas Ferro, Cobalto, Níquel e Gadolínio12 são elementos Ferromagnéticos na Tabela Periódica e muitas de suas ligas também possuem as propriedades ferromagnéticas. Além disso, algumas ligas de Manganês com Cobre e Alumínio apresentam características ferromagnéticas apesar dos elementos individualmente não serem ferromagnéticos. Finalmente, as Terras Raras Érbio, Disprósio e Gadolínio 13 e diversas de suas ligas também possuem propriedades ferromagnéticas. 14
A Figura 4 mostra a permeabilidade típica dos diversos tipos de materiais magnéticos. Observa-se que os Ferromagnéticos apresentam os maiores valores, mas a permeabilidade não é linear.
Contudo, a temperatura possui enorme influência na susceptibilidade magnética desses materiais, e materiais Ferromagnéticos se transformam em Paramagnéticos quando a temperatura atinge determinado valor, denominado de Temperatura de Curie.
Ferromagnetismo
Exercício
Compare os exemplos de materiais diamagnéticos e paramagnéticos apresentados no vídeo abaixo com a Tabela Periódica Magnética e apresente as discrepâncias entre eles.
Materiais Antiferromagnéticos
Os Materiais Antiferromagnéticos constituem outra possibilidade de arrumação dos domínios magnéticos dos materiais. Na prática, isto significa que a susceptibilidade magnética desses materiais aumenta com a temperatura, atinge um valor máximo na Temperatura de Néel 15 e passa a decrescer com a temperatura a partir desta temperatura.
Hematita (Fe2O3), Cromo, Ligas de Ferro Manganês e óxidos de Níquel pertencem a este grupo de materiais.
Em seu discurso ao receber o Prémio Nobel em 1970, Louis Néel afirmou: “existem inúmeros materiais antiferromagnéticos, interessantes do ponto de vista teórico, mas não vejo muitas aplicações práticas”.
Adicionalmente, esses materiais desempenham um papel fundamental na Magnetoresistência Gigante, descoberta em 1988 pelos ganhadores do prêmio Nobel de Física de 2007 Albert Fert e Peter Grünberg.
Válvulas de Spin (Spin Valves) constituem uma aplicação prática desses materiais e resultaram em sensores magnéticos e cabeças de leitura de discos magnéticos.
Isto exemplifica muito bem a fascinante evolução da ciência dos materiais. A Física identifica novas propriedades, mas cabe aos engenheiros utilizá-las em aplicações práticas.
Materiais Ferrimagnéticos
Louis Néel também descobriu os Materiais Ferrimagnéticos que possuem domínios magnéticos alinhados, assim como nos Materiais Antiferromagnéticos. Porém, eles não se cancelam totalmente, resultando num magnetismo residual.
Os Materiais Ferrimagnéticos possuem características muito semelhantes aos Ferromagnéticos, mas as curvas de magnetização apresentam diferenças.
Além disso, os Ferromagnéticos normalmente são bons condutores de eletricidade, enquanto os Ferrimagnéticos são isolantes. Esta diferença acarreta inúmeras novas aplicações práticas.
As Ferrites constituem os exemplos práticos de materiais Ferrimagnéticos.
Yogoro Kato e Takeshi Takei fundaram a TDK Corporation em 1935 para fabricar Ferrites. Esta empresa ficou mundialmente conhecida por suas fitas cassete.
De uma maneira geral, as Ferrites são materiais cerâmicos obtidos a partir da mistura de óxido de ferro (Fe2O3 – Ferrugem) com pequenas quantidades de outros metais; Bário, Manganês, Níquel e Zinco.
Cartões com banda magnética, fitas cassete e imãs de alto-falantes utilizam o composto BaFe12O19, conhecido como Ferrite de Bário. Ele se caracteriza pelas características magnéticas, resistência a mudanças de temperatura, corrosão e oxidação.
Referências
- Ishikawa, Y.; Miura, N.(Eds.) et al. Physics and Engineering Applications of Magnetism. Springer. 1991.
- BLUNDELL, S. Magnetism in Condensed Matter. Oxford, 2001.
- BLUNDELL, S. Magnetism: A Very Short Introduction. Oxford. 2012. 16
- COEY, J.M. Magnetism and Magnetic Materials. Cambridge. 2009. 16
- CULLITY, B.D., GRAHAM, C.D. Introduction to Magnetic Materials. 2. Ed. Wiley; IEEE. 2009. 16
- CRANGLE, J. C. Solid State Magnetism. Nostrand. Nova Iorque. 1991.
- FURLANI, E. P. Permanent Magnet and Electromechanical Devices. Academic Press. 200117
- HECK, C. Magnetic Materials and their Applications. Butterworth. 1974 18
- JILES, D. Introduction to Magnetism and Magnetic Materials. Chapman. 1991.
- NOTAROS, B.M. Eletromagnetismo. Pearson. 2012. 16
- SPALDIN, N. A. Magnetic Materials: fundamentals and applications. 2. ed. Cambridge. 2011. 16
- TUMANSKI, S. Handbook of Magnetic Measurements. CRC. 2011. 16
- WOHLFARTH, E.P. Handbook of Magnetic Materials. vol. 1. North-Holland. 1980.