Entrevista com o especialista em energia Mario Veiga
Enviado por Alvaro Gribel - 11.1.2008| 20h58m
1. Existe mesmo risco de racionamento de energia, se não chover até o final de janeiro?
Nenhum sistema de geração de energia elétrica do mundo tem risco zero de falha de suprimento. O que se faz em todo mundo, inclusive no Brasil, é medir este risco para verificar se ele está de acordo com os padrões aceitáveis para a sociedade. As medidas mais comuns de risco de falha de suprimento são:
- (1) a probabilidade de haver algum corte de carga; e
- (2) a profundidade (severidade) deste corte (percentagem da demanda que é cortada)
No Brasil, o Operador Nacional do Sistema (ONS) publica um estudo operativo chamado Plano Mensal de Operação (PMO). O PMO é realizado de maneira transparente, com a participação dos agentes de geração. Os resultados do PMO também são divulgados para todos os consumidores e comercializadores inscritos na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Os estudos do PMO são baseados em simulações da operação do sistema para 2 mil cenários hidrológicos projetados para o futuro, utilizando o modelo computacional Newave. Um sub-produto destas simulações com o modelo computacional é o risco de déficit a cada ano. Este risco mede a probabilidade de haver algum corte na demanda devido à falta de capacidade de geração. O risco de déficit é portanto uma medida aproximada do risco de racionamento. Entretanto, é importante ressaltar que ele não é exatamente igual ao risco de racionamento, pois o processo de declarar um racionamento é bastante complexo (as diferenças foram discutidas na primeira edição do estudo realizado pela PSR para o Instituto Acende Brasil).
O PMO mais recente é o de janeiro de 2008, que utiliza todas as informações disponíveis até o final de dezembro de 2007. De acordo com as simulações, os riscos de haver qualquer corte de carga (mesmo que de 1 MWh) ao longo do ano de 2008 são: (1) região Sul: 23,2%; (2) região Sudeste: 24,5%; (3) região Norte: 25,8%; e (4) região Nordeste: 25,2%.
Os estudos da PSR, realizados com as mesmas informações de oferta, demanda e hidrologia observada do PMO, mas com um modelo computacional diferente, indicam riscos menores de haver qualquer corte de carga. Nossa estimativa de risco de déficit era da ordem de 10% em todas as regiões (será visto abaixo que atualizamos recentemente a estimativa de risco).
As simulações realizadas pelo ONS também fornecem uma medida indireta sobre a profundidade do racionamento, que é a probabilidade de ocorrerem cortes de carga maiores que uma determinada porcentagem da demanda total do ano. Por exemplo, o PMO indica que a probabilidade de ocorrer um corte superior a 5% da demanda total da região Sudeste seria de 3,3%. Em outras palavras, a maior parte dos cenários de corte de carga antevistos pela simulação seria inferior a 5% da demanda.
A preocupação dos técnicos do setor é que as vazões observadas em janeiro estão, até o momento, piores do que o previsto. Isto indica que os riscos de déficit para 2008 no PMO de feveiro podem ser mais altos do que os do PMO de janeiro. Por exemplo, a vazão prevista para a primeira semana de janeiro na região Sudeste era 94% da MLT (média dos 76 anos do passado). O que ocorreu foi bem menor, 57% da MLT. A previsão para a semana seguinte foi então reduzida para 62% da MLT.
Quando incorporamos a informação desta primeira semana de janeiro no modelo de simulação da PSR, o risco de qualquer déficit em 2008 passou de 10% para 17%. A razão deste impacto é que as vazões de janeiro são particularmente importantes para que se tenha uma estimativa do montante total de afluências para o ano.
Duas observações: (i) o ONS não refaz as análises de risco a cada semana, os próximos resultados de risco estarão no PMO de fevereiro; (ii) A informação para a segunda semana de janeiro acaba de ser divulgada. O observado até agora foi novamente mais baixo do que a previsão revista de 62% da MLT: foi 47% da MLT. Estamos atualizando as análises de risco com estas informações atualizadas.
Em resumo, há de fato riscos de racionamento em 2008. Estes riscos são constantemente monitorados por todos os agentes do setor elétrico. Até o momento, os riscos estão mais elevados do que o desejável. Além disto, as vazões observadas nos primeiros dias de janeiro foram desfavoráveis. Apesar destes aspectos negativos, a postura dos técnicos é de expectativa, pois há muita variabilidade nas afluências de janeiro e fevereiro, e a situação pode ser revertida.
Finalmente, observa-se que as análises de risco feitas até o momento não consideram a possibilidade de se utilizar geração das térmicas a gás em níveis maiores do que os determinados pelo Termo de Compromisso (TC) Petrobras-ANEEL. Estamos quantificando o impacto que uma ampliação no uso das térmicas a gás teria no risco de déficit bem como os possíveis reflexos no suprimento do consumo do setor de gás natural.
2. O preço da energia pode subir, com a utilização de óleo combustível?
Com o aumento anunciado do custo marginal de operação para cerca de 630 R$/MWh, todas as térmicas do país estarão acionadas dentro do procedimento operativo normal. As exceções seriam duas térmicas pequenas: Carioba (40 MW e custo operativo de 940 R$/MWh) e Brasília (10 MW e custo operativo de 1050 R$/MWh). O impacto para os consumidores contratados deve ser de fato reduzido.
3. O que o governo está falando quando ele diz que vai reduzir o consumo de gás da Petrobras? Imagino que seja o consumo de gás nas refinarias, que pode ser trocado por óleo combustível. Isto permitiria um aumento de cerca de 5 milhões de m3/dia. A diretora de gás e energia da Petrobras pode dar informações mais precisas.
4. O gás do Espírito Santo é suficiente para atender à demanda do Sudeste? Qual sua importância ?
O gás do Espírito Santo é tão vital para equilibrar o balanço de oferta e demanda de gás natural que nós, do setor elétrico, costumamos brincar que o suprimento depende agora de São Pedro e do chefe dele, o Espírito Santo. O cronograma de entrada anunciado pela Petrobras, complementado pelo do GNL, levaria a balanços positivos já a partir de 2009.
5. Quais são os cenários caso realmente chova menos este ano ?
Como visto acima, as simulações indicam que há cenários que levam a racionamento de energia ainda em 2008. Entretanto, também como ressaltado acima, a postura ainda é de muita expectativa sobre o que vai ocorrer nas próximas semanas. Além disto, qualquer nova análise sobre racionamento deve incorporar a possibilidade se se usar as térmicas a gás além do acordado pelo TC. Portanto, prefiro esperar até que o governo indique em que condições esta capacidade adicional seria disponibilizada.
6. O governo diz que ainda tem um estoque de 4.000 MW de energia. É possível?
Imagino que o governo se refira à diferença entre a potência total instalada das térmicas a gás natural (cerca de 6.800 MW) e o disponibilizado pelo TC Petrobras-Aneel para o primeiro semestre de 2008 (3.700 MW) pois, como mencionado acima, toda a geração térmica remanescente foi acionada. Dado que a reserva das térmicas a gás corresponde a 3 mil MW, não 4 mil, imagino que o MME vá detalhar este assunto.
Observação: algumas usinas, como Macaé, terão sua operação antecipada. Entretanto, elas não podem, a rigor, ser contabilizadas como novo estoque, já que estavam com entrada prevista para julho.