Prepare-se para a energia cara
26.04.2006 - Revista Exame
As fontes mais baratas de geração estão no fim e o consumo é crescente. Daqui para a frente, as tarifas não vão parar de subir.
Por Marcelo Onaga, Alexa Salomão e Gustavo Paul
Ao longo da história, os brasileiros acostumaram-se a tratar a energia como um bem inesgotável, algo semelhante a uma dádiva enviada dos céus para usufruto dos homens. Assim como havia ar para respirar e água para beber, imaginava-se, havia energia disponível para acender as luzes, ligar os aparelhos eletrônicos, fazer os carros se moverem, colocar as máquinas em operação. Vivia-se, naqueles anos do passado, em plena era da energia barata.
Pois bem, esse tempo acabou e é bom que todos acordem para a nova realidade. A combinação de um salto espetacular na demanda mundial por energia com a redução diretamente proporcional de suas fontes de geração fez com que os preços disparassem nos últimos anos.
E todas as previsões são de que esse movimento não deve refluir no futuro próximo -- na verdade, as apostas são de encarecimento crescente. "É bom perder a ilusão", diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia. "A tendência atual só deve se reforçar daqui para a frente."
O melhor exemplo dos novos tempos se observa no setor de petróleo. O chamado "ouro negro" é a principal fonte de energia do mundo, responsável por 40% da matriz internacional. Na última década, o preço do barril de petróleo subiu de 10 para 70 dólares. Consome-se petróleo como nunca na história -- a média diária cresceu de 60 milhões de barris em 1980 para 80 milhões atualmente. Por tratar-se de um bem finito, a conseqüência inevitável do uso crescente é que ele se torna mais escasso a cada dia. O acesso às reservas disponíveis é complicado e sua exploração está cada vez mais difícil. É preciso perfurar poços a milhares de metros de profundidade no mar ou em terrenos rochosos, o que exige tecnologia e equipamentos caros. Os constantes conflitos políticos no Oriente Médio, onde está concentrada a maior parte do petróleo do mundo, também contribuíram para a escalada nos preços. "O petróleo ainda será usado por décadas, mas não resta dúvida de que sua importância terá de cair ao longo do século 21", diz Abel Holtz, consultor especializado em energia.
As fontes mais baratas começam a se esgotar e questões ambientais e políticas encarecem cada vez mais a energia |
Hidrelétricas - Os potenciais hídricos disponíveis ficam distantes dos centros de consumo, o que exige a construção de um sistema de transmissão que encarece muito a energia |
Termelétricas - As usinas térmicas usam combustíveis como gás e óleo diesel, cujos preços não param de subir. As reservas nacionais são pequenas e há risco de desabastecimento |
Fontes alternativas -A energia gerada por vento, sol e ondas do mar pode ser uma opção no futuro, mas ainda não é viável economicamente e demanda grandes investimentos em pesquisas. O desenvolvimento dessas fontes é demorado |
Custos ambientais - Movimentos sociais e de defesa do meio ambiente passaram a exigir maiores compensações para permitir a implantação de usinas. O custo ambiental saltou de 10% para 20% do investimento |
Regulação - A presença do Estado na regulação do setor e mudanças nas regras provocam insegurança. A falta de ofertas nos leilões de energia mostra a insatisfação dos investidores |
Petróleo - As reservas do combustível, além de finitas, estão em uma área do globo de muitos conflitos. Sua cotação disparou nas últimas décadas e nada indica que isso vá mudar |
É uma realidade difícil para a imensa maioria do planeta, que depende do petróleo para manter a economia rodando.
O outro lado da moeda é a atual situação excepcional vivida por quem produz e vende petróleo - a Petrobras, por exemplo. A estatal brasileira vem batendo recordes de lucro e de faturamento nos últimos anos, assim como as maiores empresas petrolíferas do mundo, e no ano passado lucrou 18 bilhões de reais.
A alta nas cotações fez a americana Exxon desbancar a rede de varejo Wal-Mart e tornar-se a maior empresa do mundo. A elevação do preço do barril também faz a alegria de políticos como Hugo Chávez, o presidente venezuelano, que tem promovido uma verdadeira gastança com recursos advindos do petróleo. A valorização beneficiou ainda as empresas e os países envolvidos na busca de fontes alternativas.
Novas tecnologias, como os biocombustíveis (caso do álcool brasileiro) ou as que geram energia a partir do mar e do vento, ganham força. "É um mercado novo que começa a se abrir", diz Luciano Bastos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Mas essas tecnologias ainda vão demorar para se consolidar e permitir a geração em larga escala."
2005 |
58 |
2008 |
66 |
2010 |
74 |
2013 |
85 |
2014 |
103 |
2019 |
123 |
Fonte: Empresa de Pesquisa Elétrica |
1998 |
10 |
1999 |
25 |
2001 |
20 |
2003 |
33 |
2004 |
50 |
2006 |
70 |
Se o cenário internacional parece indicar que a energia cara veio para ficar, o mesmo ocorre no Brasil.
Nos últimos dez anos, as tarifas de energia elétrica quadruplicaram. O megawatt-hora, unidade de venda de energia, que custava 60 reais em média em 1995, era vendido por 230 reais no ano passado. A previsão para os próximos dez anos é desanimadora. Até 2017, os custos de geração de energia elétrica devem dobrar. Essa disparada nos preços é resultado de uma combinação de fatores, em que a escassez de recursos para a produção sobressai.
Hoje há poucos rios e quedas-d'água disponíveis para a construção de novas usinas hidrelétricas, a fonte mais barata de geração. Os que existem estão muito longe dos centros de consumo, o que obriga a implantação de caríssimas linhas de transmissão. Também tem pesado na conta a elevação dos custos ambientais e sociais, que dispararam na última década. Diante da crescente destruição de rios e florestas, a preservação do meio ambiente ganhou muita força nos anos 90 e foram estabelecidas regras rígidas para a construção de obras que possam ter impacto na natureza, como uma usina de energia. Os gastos com licenças ambientais, remoção de espécies animais, adaptação de obras e compensações financeiras, que até o início da última década não passavam de 10% do custo total do projeto, hoje representam 20%. "Está ficando insuportável investir em energia no Brasil", diz Antônio Ermírio de Moraes, dono do grupo Votorantim e um dos maiores investidores privados em hidrelétricas do país. "É importante preservar a natureza, mas há exigências descabidas que só servem para gerar custos e dificuldade."
O deslocamento de pessoas que vivem em regiões que serão afetadas de alguma forma pela construção de uma usina também se transformou em problema. "Alguns movimentos sociais fizeram dessas remoções um grande negócio", diz o consultor Holtz. "Áreas que tinham 2 000 famílias assentadas antes da construção de uma usina passam a abrigar três vezes mais pessoas no início da obra." Na hora de sair, esses grupos exigem dinheiro, terra e outros tipos de vantagens. Todos os custos acabam sendo repassados para o consumidor e têm grande impacto na economia. "A energia elétrica representa até 7% do preço de um carro", diz Cledorvino Bellini, presidente da subsidiária brasileira da Fiat. "Diante dos aumentos, é inevitável repassar parte dos custos." O fato é que a energia brasileira, até pouco tempo atrás uma das mais baratas do mundo, começa a perder competitividade internacional.
Seu preço ainda é bastante inferior aos cobrados na Europa e nos Estados Unidos, mas países como Canadá, Chile e Venezuela já oferecem tarifas mais atraentes. "Por enquanto, não é nada que faça o país perder investimentos", diz o especialista Edmundo Abreu, da consultoria Accenture. "Mas, se os custos continuarem crescendo no ritmo atual, isso pode acontecer." A situação é particularmente grave em indústrias como a de alumínio, na qual a energia chega a responder por mais de 50% do custo de produção. A dependência do insumo faz com que todas as grandes produtoras tenham usinas próprias. A Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do grupo Votorantim, por exemplo, gera 60% da energia que consome. "Quem produz alumínio não pode depender de fornecedores externos de energia", afirma Antônio Ermírio.
Mas os aumentos de tarifa não são a única preocupação dos usuários. No setor, costuma-se dizer que energia cara é aquela que não está disponível. Em 2001, durante a crise do apagão, todos os brasileiros puderam entender isso na pele. Passados cinco anos, os investimentos no setor continuam baixos e o risco de um novo apagão está de volta. Ameaçados por regras que mudam a todo instante e pelo agigantamento estatal no setor energético, os investidores continuam guardando distância de novos projetos. O retrocesso na área ficou evidente no mais recente leilão de energia, em dezembro passado. As estatais foram responsáveis por 70% da energia negociada, dado o baixíssimo interesse despertado no setor privado. Boa parte dos riscos que afugentam os investidores foi criada pelas sucessivas mudanças de regras feitas pelo próprio governo brasileiro. "O investimento no setor de energia é de longo prazo", diz Dirk Beeuw saert, presidente da Suez Energy Internacional, controladora da Tractebel no Brasil. "Por isso, todo governo, em qualquer país do mundo, precisa proporcionar uma estrutura legal, que proteja os negócios, e ter um regulador independente, que assegure tratamento equânime aos investidores."
Com riscos, e custos maiores, é inevitável que as empresas cobrem mais pela energia elétrica. Mas o governo tem resistido a aceitar essa realidade e acaba piorando a situação. No leilão de dezembro, ficou claro que o preço é um ponto crítico. "Não posso entrar em negócios que não remuneram o investimento da empresa", diz António Costa, presidente da Energias do Brasil, subsidiária da portuguesa EDP. "É preciso melhorar o preço nos leilões para atrair o capital privado." Outro ponto crítico a ser enfrentado é a crescente presença do Estado no setor. As diretrizes dos leilões de energia são definidas pelo governo e a Petrobras é a maior negociadora. Na avaliação dos especialistas, o avanço das estatais tem um cunho ideológico que compromete o futuro dos negócios no setor. "Os gestores da política energética brasileira têm uma visão deturpada de como opera uma economia moderna", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. "O país vai perder se essa visão não mudar."