Energia Nova
Tolmasquim garante que as térmicas são apenas 38%
Miriam Leitão
O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, garante que dos leilões de energia ocorridos de 2005 a 2008 foram contratados 42.010 MW, 53% são de hidrelétrica, 38% de termelétricas a combustíveis fósseis e 9% de termelétricas a biomassa. Discorda assim da informação publicada na coluna, baseada num levantamento da CBIE, de que 63% da energia contratada no governo Lula foram de termelétricas e 37% de hidrelétrica.
Além disso, Tolmasquim contesta vários pontos das duas colunas que eu escrevi sobre energia nos últimos dias: Bloco dos Sujos e Trilha Errada. Ele argumenta que o Brasil também tem feito um esforço em energia alternativa.
Ele tem o direito às explicações e opiniões diferentes, mas sustento o que eu disse aqui: o Brasil tem aumentado muito, de forma desnecess�ria, a energia de origem f�ssil. A pior fonte fóssil, o carvão, tem subsídios, redução de impostos. Até a importação de carvão tem incentivos fiscais.
Em certo trecho da carta, Tolmasquim perde o tom sereno e diz que é “completamente falsa” a informação de que o novo modelo energético, do qual a ministra Dilma é uma das inspiradores, é responsável pelo aumento da energia fóssil no Brasil.
Entende-se o empenho em defender a ministra, pela sua condição de candidata, e mentora do setor elétrico, mas fatos são fatos.
Há oito termelétricas a carvão em construção e elas vão triplicar – ou nas contas do próprio Tolmasquim – dobrar a capacidade de oferta das termelétricas a carvão.
Aqui você pode ler toda a carta.
O debate em torno dos rumos da energia no Brasil é fundamental, porque ele atravessa o coração do debate sobre as mudanças climáticas.
http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2009/12/04/tolmasquim-garante-que-as-termicas-sao-apenas-38-247352.asp
MAURICIO TIOMNO TOLMASQUIM
Carta do presidente da EPE
Prezada Míriam,
Antes de tudo, gostaria de lhe agradecer por ter retornado as minhas ligações da semana passada.
Como ficou claro – suponho – na nossa conversa telefônica desta última terça-feira, minha intenção era esclarecer algumas colocações contidas na sua coluna de 22 de novembro no jornal O Globo, intitulada “Bloco dos sujos”.
Em que pese não tenha citado nominalmente a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, que presido, ou mesmo a minha pessoa, o texto assinado por você lançou assertivas e fez questionamentos baseados em dados que simplesmente não condizem com a realidade dos fatos.
Alguns dos esclarecimentos que lhe expus na conversa, além de outros, estão elencados abaixo, após a reprodução das passagens que considero discutíveis no referido texto. Aproveito a oportunidade para fazer algumas considerações sobre o texto “Trilha Errada”, publicada pelo mesmo O Globo no dia 2 de dezembro, e que também foi objeto da nossa conversa telefônica. Em relação à coluna “Bloco dos sujos”:
- “No Brasil só se pensa em barragem ou térmica a combustível fóssil. Isso porque o planejamento do setor energético brasileiro envelheceu. Precisamos de um Plano Real na energia (sic)...” (3° parágrafo) Tal afirmação de forma alguma condiz com o esforço feito nos últimos anos para viabilizar as chamadas fontes alternativas (fundamentalmente energia eólica, pequenas centrais hidrelétricas e térmicas a bagaço de cana-de-açúcar). Foram implementadas nos últimos sete anos as seguintes iniciativas:
- Programa de Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) – 3.154 MW (total previsto para estar em operação em 2010);
- Bioeletricidade contratada nos leilões de energia nova de 2005 a 2008 – 803 MW;
- Leilões específicos para fontes alternativas de 2007 e 2008 – 2.917 MW;
- Leilão de Energia Eólica de 2009 – 10.000 MW habilitados pela EPE para participar do certame que ocorrerá em dezembro deste ano.
Sem contar com o volume relativo ao leilão de energia eólica, que está para se realizar, foram contratados pelas distribuidoras nos leilões realizados pelo MME nos anos recentes 6.874 MW em fontes alternativas, volume que supera a capacidade instalada das usinas hidrelétricas do Rio Madeira (Jirau e Santo Antônio), que juntas somam 6.450MW.
2. “(...) a maior parte da nova capacidade instalada é de origem térmica, na maioria, fóssil.” (4° parágrafo)
Novamente os dados não correspondem à realidade. De acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) 2008 e com dados do Comitê de Monitoramente do Setor Elétrico (CMSE), entre 2003 e 2010 terão sido instalados 34.592 MW de nova capacidade no país. Deste total, cerca de 69% são de fontes renováveis e 31% correspondem a fontes não renováveis (fósseis).
3. “Da energia nova contratada nos leilões de energia do governo Lula, 63% são de termelétricas e 37% de hidrelétricas.” (4° parágrafo) Segundo informações disponíveis no site da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), nos leilões de contratação de energia elétrica proveniente de novos empreendimentos, que ocorreram entre 2005 e 2008, foram adquiridos 42.010 MW, dos quais parte já entrou em operação e parte estará em funcionamento nos próximos anos. Deste total, 53% são de hidrelétricas, 38% de termelétricas a combustíveis fósseis e 9% de termelétricas à biomassa. Portanto, do montante total negociado, 62% são de origem renovável e o restante, 38%, de fóssil.
4. “Enquanto isso, a China, que tem abundante carvão barato, está procurando outras fontes.” (7° parágrafo)
Não creio que a China sirva de paradigma para o Brasil. Apenas no último ano a que temos registro (2006), foram instalados na China 51.000 MW de termelétricas a carvão, equivalente à metade de toda a capacidade instalada de todas as fontes no Brasil.
Ou seja, a cada ano os chineses colocam em seu território meio Brasil apenas em térmicas movidas a carvão! Segundo dados do Energy Information Administration (EIA), organismo do governo norte-americano, entre 2010 e 2030 a China vai instalar 407.000 MW em usinas a carvão – o número é esse mesmo – e 106.000 MW através de centrais eólicas. Tomando-se como base o tempo médio de atividade produtiva que cada tipo de geração dispõe, pelas suas características naturais, a contribuição das eólicas chinesas em termos de redução de emissões dos gases de efeito estufa é menor do que parece à primeira vista.
Uma usina eólica gera, na média, entre 30% e 35% da sua capacidade instalada. O que significa dizer que uma planta de 100 MW produz por ano algo entre 30 e 35 MWmédios. Já uma usina a carvão gera normalmente algo de 80% a 85% da sua capacidade instalada. Neste caso, uma planta a carvão de 100 MW gera em média, num determinado período de tempo, o equivalente a 80 e 85 MWmédios.
As previsões do EIA são de que a geração eólica na China em 2030 estará perto de 36.000 MWmédios, ao passo que a geração a carvão é estimada, para o mesmo período, em 734.000 MWmédios – vinte vezes (!) mais que a produção de energia eólica. Sem dúvida alguma, a capacidade de geração eólica na China deve ser saudada por todos. Contudo, olhar isoladamente para o seu quadro pode conduzir a um erro de avaliação.
5. “De 2004 a 2008, ela (China) construiu o equivalente a uma Itaipu em energia eólica; 14 mil megawatts” (7° parágrafo)
Apesar de ser um dado relevante, vale observar que esses 14.000 MW de energia eólica correspondem a uma participação de menos de 2% da matriz elétrica chinesa (obs.: não tenho o dado da capacidade total instalada da China em 2008, assim utilizei o estimativa do EIA para 2010 como proxy). O Brasil, por sua vez, deverá ter instalado em centrais eólicas mais de 1.500 MW no ano que vem, o que representará cerca de 1,3% da capacidade instalada total de nosso parque de geração elétrica. Ou seja, independente da precisão dos números, podemos afirmar que a expansão da eólica relativamente ao tamanho de nosso parque não é tão diferente do caso chinês. Com uma vantagem clara para o Brasil: a maior parte do restante de nossa matriz elétrica decorre de hidrelétricas, enquanto na China são oriundas de termelétricas a carvão.
6. “Há 15 anos o Brasil vem errando na área de energia. Investe menos que precisa (...)” (8° parágrafo)
Hoje, com as usinas contratadas, o Brasil possui um excedente de aproximadamente 4.500 MWmédios em 2014. Para se ter uma ideia do que essa quantidade de energia representa, o mercado brasileiro cresce cerca de 3.000 MWmédios por ano.
7. “No Brasil, a maneira como é feito o cálculo dos custos das novas fontes de energia faz com que elas estejam fora do leilão, sejam mais caras do que suas competidoras a combustível fóssil” (9° parágrafo)
Na realidade, o problema não é a maneira como se faz o cálculo do custo das novas fontes no Brasil, mas sim o fato de que, no mundo todo, estas fontes são mais caras. Sabedores disso, alternativamente, organizamos leilões especiais para as chamadas fontes alternativas renováveis, de forma a que elas não tenham que competir com outras de menor custo. Uma espécie de “reserva de mercado”.
8. “O governo Fernando Henrique (...) aumentou em 48% a capacidade instalada, de 54 mil MW para 80 mil MW. O governo Lula, na hipótese mais otimista, vai aumentar até o fim do mandato 43% da capacidade” (11° parágrafo)
A verdade dos fatos, baseada nos dados do BEN e do CMSE, é a seguinte: entre 1995 e 2002, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elevou em exatos 24.829 MW a capacidade instalada do Brasil. Porém, deve-se excluir 2.005 MW referentes à contratação temporária de térmicas emergenciais, o que reduziria o referido montante de capacidade instalada para 22.824 MW.
Ao longo dos oito anos de mandato, de 2003 a 2010, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá aumentado o parque gerador do Brasil em 34.592 MW – ou seja, 52% a mais que o governo anterior. Aliás, os investimentos no segmento de transmissão são também significativamente maiores no governo Lula em comparação ao anterior. Segundo dados do CMSE, entre 1996 e 2002 foram instalados 11.000 km de linhas, enquanto no período 2003-2010 terão sido instalados 27.000 km – mais do que o dobro.
9. “Na nova versão Dilma-baixa-emissão, que interpreta atualmente, a ministra terá o constrangimento de estar lá em Copenhague dizendo que o Brasil se compromete com metas de redução das emissões, enquanto aqui o modelo energético, do qual ela é uma das inspiradoras, estará contratando as mais sujas das opções de energia.” (12° parágrafo)
É completamente falsa a colocação de que a causa da eventual entrada de termelétricas a combustível fóssil na matriz energética é decorrência do novo modelo setorial. Além de restaurar o papel fundamental do planejamento, o Novo Modelo do Setor Elétrico, vigente desde 2004, instituiu também a figura dos leilões de energia, etapa que concretiza o processo pelo qual se dá o atendimento à demanda do país, garantindo aderência à política de modicidade tarifária.
A realização dos leilões leva em conta o respeito ao meio ambiente, dado que apenas os projetos que já obtiveram os estudos socioambientais necessários – entre os quais os estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA), e que já possuem a Licença Ambiental Prévia (LP) – podem participar da disputa. Antes de 2004, a concessão dos empreendimentos era emitida sem ter como pré-requisito a LP, o que levava a uma grande incerteza quanto à efetiva construção e operação dos empreendimentos.
É verdade que a quantidade de termelétricas e a participação aquém do desejado de hidrelétricas nos leilões faz com que a contratação de energia fique, por vezes, em desacordo com o planejado como expansão mais adequada para o sistema elétrico brasileiro. Isto é resultado de uma visão sócio-ambiental restrita, preconceituosa e, em certa medida, esquizofrênica. Ao mesmo tempo em que há a preocupação legitima com as mudanças climáticas e o maior comprometimento do país com metas de abatimento de emissões, não se vacila em lutar contra a hidreletricidade, cujos atributos nenhuma outra fonte de energia
reúne simultaneamente: é renovável, não emite gás carbônico, é altamente competitiva no custo da energia para a sociedade e sua construção é 100% nacional.
Em relação à coluna “Trilha Errada”:
1. “Oito projetos já receberam licença para construção. Serão mais 4.117 MW” (4°parágrafo)
O fato de um a usina possuir outorga não significa que ela será construída. Duas condições são necessárias para viabilizar a implantação do empreendimento: a licença de instalação (LI) emitida pelo órgão ambiental e o contrato para a venda de energia (PPA), que garante a solidez econômica e financeira do investimento.
Na realidade, dos oito projetos que totalizam 4.117 MW, listados no sítio eletrônico da Aneel, apenas um único empreendimento recebeu a licença de instalação para uma motorização de 542 MW, número significativamente menor do que o considerado.
As usinas a carvão mineral cadastradas para os leilões de energia nova de 2009 não totalizam sequer 2.800 MW. Além disso, o fato de estarem cadastradas para participar do leilão não significa, necessariamente, que serão efetivamente contratadas para suprir a demanda.
Portanto, a não ser que no próximo leilão haja contratação expressiva de usinas térmicas a carvão, o que não é certo, haja vista a grande oferta térmica a gás natural, a expansão se dará próximo ao indicado no último Plano de Decenal de Energia.
2. “O Plano Decenal de Energia registra que as emissões de CO2 dessas térmicas poderão saltar de cerca de 5 milhões de toneladas para 22 milhões em 2017” (7°parágrafo)
Apesar de a nova versão do PDE ainda não estar concluída, os dados preliminares indicam que a tendência é de queda na intensidade das emissões. Vale lembrar que hoje o Brasil já apresenta uma baixa intensidade de carbono comparativamente aos países desenvolvidos e emergentes. Levando em consideração apenas as emissões do setor elétrico, a intensidade de emissões no Brasil é atualmente de 6,9 tCO2/ milhão R$ PIB.
Conforme os estudos do novo PDE, esse indicador cairá em 2018 para 6,64 tCO2/ milhão R$ PIB. A principal razão das diferenças entre a nova edição do PDE e a anterior é a expectativa de equilíbrio entre os custos de operação e expansão em um patamar inferior, em função da expansão hidrelétrica como o Complexo do Madeira, Belo Monte e outras usinas na bacia Amazônica. Prioriza-se, para tanto, além da expansão hidrelétrica, a expansão da bioeletricidade e da oferta de energia eólica, assim como incentivos à eficiência energética. Essas ações, em conjunto, permitem considerar uma estratégia de operação do sistema que, a despeito do incremento da potência termelétrica, otimiza a frequência de operação dessas usinas, minimizando as emissões de gases e garantindo a segurança energética.
Essas são as considerações a respeito do que foi colocado nos seus artigos do penúltimo domingo e da última quarta-feira. Gostaria de ressaltar que me coloco aberto para o estabelecimento de um diálogo profícuo com você sobre temas como esses, por certo tão relevantes para o país e para o mundo.
Agradeço a atenção.
Cordialmente,
MAURICIO TIOMNO TOLMASQUIM
Presidente
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Trilha Errada
Miriam Leitão
O Brasil pode mais do que triplicar a capacidade de geração de energia a carvão mineral até 2017 e multiplicar por quatro as emissões de CO2 dessa fonte de energia. O governo incentiva o negócio com crédito do BNDES, redução de Imposto de Renda, PIS/Cofins e ICMS de importação de carvão. O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, admite apenas que a geração a carvão vai dobrar.
Segundo Tolmasquim, o Brasil tinha, em 2007, 1.415 MW de potência instalada a carvão e chegará a 2017 com 3.175 MW:
— Vai dobrar mas continuará sendo pequena na nossa matriz. É hoje 1,4% da energia e será 2,1%.
O Brasil possui nove termelétricas a carvão mineral em funcionamento, com capacidade de geração de 1.530 MW, segundo a Aneel. Quatro estão em construção e vão dobrar a capacidade até 2013. Sozinhas, elas poderão gerar mais 1.790 MW de energia. Três delas estão sendo construídas pela MPX, no Nordeste, e outra pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica, no Sul do país. Outros oito projetos já receberam licença para a construção. Serão mais 4.117 MW. Tudo somado pode levar a 7.437 MW de energia movida a carvão. Aumento de 386%.
Tolmasquim diz que os números da EPE são outros, e vão ser revistos no novo Plano Decenal.
— Uma coisa é ver todas as possibilidades possíveis, outra é planejar. Estamos planejando menos.
O Plano Decenal de Expansão de Energia registra que as emissões de CO2 dessas térmicas poderão saltar de cerca de 5 milhões de toneladas para 22 milhões em 2017 (veja o gráfico abaixo tirado do estudo).
O leilão de dezembro, como já registrado aqui na coluna, deve ser vencido pelas térmicas a carvão.
— Isso não é razoável, mas há mais facilidade de concessão de licença para térmicas do que para hidrelétricas — diz ele.
O que leva uma empresa a investir em energia com alto teor de emissão que será cada vez mais taxada no futuro? O presidente da MPX, Eduardo Karrer, diz que o carvão é inevitável:
— Não podemos descartar o carvão, mas podemos torná-lo menos poluente. Vamos investir R$ 1,2 bilhão em pesquisa de ponta para reduzir as emissões de carvão — afirmou Karrer.
Pode ser. No mundo inteiro há pesquisas para tentar limpar o carvão, mas os especialistas admitem que não há qualquer garantia de que isso será possível. Karrer diz que sua linha de estudo é usar microalgas que reduziriam entre 10% e 15% o volume de emissões de CO2. A Tractebel, que sozinha responde por quase 1.000 MW da produção atual a carvão, foi procurada insistentemente pela coluna mas não se pronunciou.
Na verdade, as empresas são incentivadas pelo governo a entrar no negócio.
Somente para a construção da termelétrica de Pecém I, da MPX, houve financiamento de cerca de R$ 1,4 bilhão do BNDES. Já as usinas de Pecém II e Itaqui, que integram o PAC, ganharam desconto de 75% em Imposto de Renda, isenção de PIS/Cofins, abatimento de 59% de ICMS na importação do carvão que virá da Colômbia.
Além disso, se as três usinas que estão sendo construídas pela MPX no Nordeste não precisarem entrar em operação, elas terão uma rentabilidade assegurada de R$ 715 milhões anuais de subsídio tarifário. Elas recebem mesmo quando não produzem. Fazem parte do sistema de complementação de energia. Por isso, Tolmasquim disse que não se pode calcular o volume de emissões, a partir do aumento da capacidade instalada das térmicas fósseis. Porque elas só funcionarão quando faltar água nos reservatórios.
O Ibama não explica por que concede licença com mais facilidade para térmica do que para hidrelétrica. Diz que não é o órgão que define a política energética do país e não pode negar licenças se elas atenderem ao Termo de Referência. Como a legislação permite o uso de térmicas a carvão, considera que há pouco que possa fazer.
Para mitigar a emissão, o Ibama exigiu a compensação através do plantio de árvores, mas as empresas foram à Justiça e a exigência foi derrubada. É assim, com incentivos e falhas regulatórias, que o Brasil vai sujando sua matriz.
http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2009/12/02/trilha-errada-246515.asp
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Bloco dos Sujos
Miriam Leitão
Em dezembro, quando a delegação brasileira estiver em Copenhague, chefiada pela ministra Dilma Rousseff, o Brasil estará fazendo um leilão de energia, para 2015, em que devem sair vencedores três usinas a carvão importado, três usinas a carvão nacional e uma a gás natural liquefeito. Esse será apenas o sinal mais explícito, e em hora mais constrangedora, da opção brasileira por sujar a matriz.
Como é possível andar na direção oposta da que se deveria andar? Simples. Basta fazer um planejamento energético preso a ideias do passado.
— No Brasil só se pensa em barragem ou térmica a combustível fóssil. Isso porque o planejamento do setor energético brasileiro envelheceu. Precisamos de um Plano Real na energia que faça o Brasil pensar de forma moderna sobre essa questão — diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Uma das características comuns nos dois últimos governos foi que a maior parte da nova capacidade instalada é de origem térmica, na maioria, fóssil. Confira nos dois gráficos abaixo enviados por Adriano Pires. Da energia nova contratada nos leilões de energia do governo Lula, 63% são de termelétricas e 37% de hidrelétricas. No outro gráfico, repare a divisão das térmicas: só 3% de biomassa, que é renovável. O resto é fóssil, mas alguns piores, como carvão mineral, que responde por 17%, e óleo combustível, 45%.
Que não fale o roto do rasgado. O governo do PSDB também privilegiou as térmicas. É uma armadilha: toda a estrutura técnica do setor elétrico só consegue pensar em hidrelétricas. Que são uma opção melhor, mas que terão cada vez mais dificuldade de ter licenças ambientais pelos danos que causam na hora da construção da usina e das linhas de transmissão. Como as grandes barragens também interessam aos políticos, a gestão politizada favorece isso também. A licença ambiental emperra, em muitos casos em obstáculos reais, e a segunda opção do setor é sempre fóssil.
— Não se pensa em usar todas as fontes que a natureza nos deu. Não se pensa que o Brasil é continental, e que a tendência agora é descentralizar, especializando por área: o Nordeste é mais propício a eólica, Rio e Espírito Santo, gás natural — o mais limpo dos fósseis — São Paulo tem muita biomassa do bagaço da cana — diz Adriano Pires.
Enquanto isso, a China, que tem abundante carvão barato, está procurando outras fontes. De 2004 a 2008, ela construiu o equivalente a uma Itaipu em energia eólica: 14 mil megawatts. A meta era chegar a 30 mil MW até 2020, mas o novo plano da energia renovável aumentou para impressionantes 100 mil MW de energia eólica até 2020, porque a meta de 30 mil será alcançada em 2010. A China tem hoje a quarta maior capacidade instalada em energia do vento, depois dos Estados Unidos, Alemanha e Espanha. A indústria chinesa de painéis para energia fotovoltaica (solar) já é a segunda do mundo, depois do Japão. O carvão, dominante em sua matriz, está provocando desastres. Um deles: a chuva ácida cai em 30% das terras chinesas, destruindo safras e contaminando águas.
Há 15 anos o Brasil vem errando na área de energia. Investe menos do que precisa, está ampliando a presença de energia fóssil, deixa o país sujeito aos apagões e ocupa o comando do setor com partidos políticos. O que mudou entre um governo e outro é o partido que recebe o quinhão elétrico. Era o então PFL no governo passado, é o PMDB no atual governo.
No Brasil a maneira como é feito o cálculo dos custos das novas fontes de energia faz com que elas estejam fora do leilão, sejam mais caras do que suas competidoras a combustível fóssil.
— Com o pré-sal, a tendência é aumentar, porque haverá maior oferta de petróleo aqui dentro — diz Adriano Pires.
O governo Fernando Henrique, segundo o estudo do CBIE, aumentou em 48% a capacidade instalada, de 54 mil para 80 mil MW. O governo Lula, na hipótese otimista, vai aumentar até o fim do mandato 43% da capacidade. Os dois são equivalentes. Nos dois governos, a nova energia é mais fóssil do que renovável. O governo Fernando Henrique começou a privatizar, depois parou, mas não deixava as estatais investirem. O governo Lula, sob o comando de Dilma, deu mais poderes às estatais. Nos dois períodos, o Brasil fez escolhas erradas e que não levam em consideração um ponto fundamental: o mundo está mudando.
Na nova versão Dilma-baixa-emissão, que interpreta atualmente, a ministra terá o constrangimento de estar lá em Copenhague dizendo que o Brasil se compromete com metas de redução das emissões, enquanto aqui o modelo energético, do qual ela é uma das inspiradoras, estará contratando as mais sujas das opções de energia.